Masters/Especial: jornalistas fazem Payne perder o rebolado

04/04/2012


Presidente do Augusta enfrentou envergonhado perguntas sobre machismo do clube


Payne enfrenta perguntas repetidas sobre o machismo de Augusta, fica nervoso e sem respostas
Payne enfrenta perguntas repetidas sobre o machismo de Augusta, fica nervoso e sem respostas

por: Ricardo Fonseca

Quando Tiger Woods voltou ao Masters, em 2010, em seu primeiro torneio após o escândalo sexual, Billy Payne, o presidente do Augusta National, única sede permanente de um major, permitiu-se passar um pito no ainda número 1 do mundo, exortando-o a “fazer a coisa certa”. Ele foi bem incisivo naquela sua fala, mas provavelmente não prestou atenção no próprio discurso nos dois anos seguintes até ser obrigado a enfrentar uma saia justa nunca antes imaginada no salão de entrevistas do Masters, ao ter que ouvir repetidas e certeiras perguntas sobre o machismo de Augusta. Um clube que diz trabalhar para o crescimento do golfe, mas que ainda se recusa a admitir mulheres como sócias, em pleno século 21.

Após falar por 11 minutos, as perguntas foram abertas e Payne foi repetidamente desafiado pelos jornalistas a falar sobre o machismo do Augusta National. Coube a Lawrence Donegan, do respeitado jornal britânico The Guardian, colocar o dedo na ferida com precisão. ” Senhor presidente, observei suas preocupações sobre o crescimento do golfe ao redor do mundo, e também em mostrar que Augusta Nacional é um clube de golfe muito famoso. O senhor não acredita que seria uma mensagem maravilhosa para as meminas se elas soubesse que um dia eles poderiam ser sócias deste clube tão famoso?”, disparou.

Atônito – Payne mudou. Sorriu desconcertado, olhou com cara de poucos amigos para o jornalista britânico e tentou encerrar a conversa várias vezes, até que o apresentador acudiu, insistindo para o jornalista seguinte fazer sua pergunta. Mas o asunto voltou com uma jornalista perguntando o que ela deveria dizer às filhas dela e até o que ele, Payne, falaria para a própria neta. A resposta foi sempre a mesma: “Questões sobre filiação são assunto privado dos sócios (homens).. e conversas com a neta, também”. Payne, acredite, ficou bastante desconcertado, gaguejou e demorou a se reequilibrar.

Foi salvo pelo mestre de ceriomônias, que na pergunta seguinte sobre a filiação de mulheres, a quinta do dia, encerrou a coletiva. Mas o estrago estava feito e o precedente aberto. Crédito seja dado a Payne. Seu antecessor, Hootie Johnson, mandava avisar a cada ano aos novos jornalistas que perderiam sua credenciais em casos até bem mais leves do que esse. E perdiam mesmo. Payne já mudou muita coisa por lá. Prova é que o vídeo da entrevista está lá no site, para quem quiser ver. Talvez os jornalistas em questão não voltem em 2013, mas seus veículos estarão lá e as perguntas também.

Mas o que levantou novamente a questão do assumido chauvinismo masculino do clube que se propõe vitrine do golfe mundial, mas se comporta de forma a enxovalhar a imagem do esporte ao se permitir crer na superioridade dos homens sobre as mulheres? Desta vez não foi a líder feminista Martha Burk, que foi tratada com desprezo pelos jornalistas que compartilham os conceitos morais de Hootie e pintada de maluca solitária. Para quem não lembra, entre 2002 e 2003 ela denunciou o machismo do Augusta National, sede do Masters, liderou protestos contra a política do clube de só aceitar homens como sócios e comandou um boicote aos três parceiros do Masters – Exxon, AT&T e IBM – que obrigou o Augusta a ficar dois anos sem patrocinadores explícitos.

Evolução – Desta vez a ameaça veio da evolução das sociedades, o que Augusta ainda se recusa a aceitar. De novos tempos que fizeram a IBM nomear, em janeiro, sua primeira CEO mulher, Virginia Rometty. E veio da tradição do próprio Masters, que sempre recebeu como membros todos os CEOs – supostamente homens – das suas parceiras comerciais. Uma armadilha armada pelo destino de um clube que brinca de médico e monstro. Em nome de seu machismo, o Augusta National vai discriminar a mais poderosa executiva de seu mais antigo patrocinador? A mulher que esteve no Brasil na semana passada negociando um acordo de US$ 1 bilhão não serve para Augusta? É isso que os jornalistas querem saber e tem o dever de perguntar.

Augusta não aceita mulheres desde que foi fundado em 1933 e passou décadas sem aceitar negros, até ser ameaçado de fechamento pelo Congresso americano. Por causa de sua política de segregação racial, o golfe, que ia se apresentar em Augusta, como esporte-exibição, foi obrigado a se retirar dos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, provocando um atraso de vinte anos até o esporte voltar a ser aceito na família olímpica nos Jogos do Rio, em 2016.

Velhos senhores – O mais curioso é que foi Payne quem comandou o Comitê Olímpico de Atlanta e quem propôs colocar o golfe como esporte exibição e em Augusta, de onde não era ainda sócio. A jornalista Christine Brennan, do USA Today, que cobriu aqueles Jogos para o Washington Post, conta que Payne ao propor o golfe falou: “vamos mostrar àqueles velhos senhores de Augusta do que as mulheres são capazes”, ao se referir ao golfe e a seu esforço de incluir mais modalidades femininas nos Jogos de Atlanta, que pela primeira vez tiveram competições femininas de futebol e softball. “Vinte anos depois o `velho senhor” é ele”, observa a jornalista.

Chavinismo masculino e racismo costumam andar de mãos dadas. Clifford Roberts, um dos venerados fundadores de Augusta, era assumidamente racista e várias reportagens de veículos importantes o citam dizendo “enquanto eu viver, os golfistas serão brancos e os caddies negros”. Isso até Lee Elder vencer o Monsanto Open, em abril de 1974, e se tornar o primeiro negro a se classificar para jogar em Augusta, na primavera seguinte, a de 1975. Roberts se matou com um tiro, dois anos depois, em 1977, em uma banca do campo de nove buracos de par 3 de Augusta.

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