O Galo Cinza: Um retrato de Herik Machado

05/05/2014


Artigo escrito pelo poeta e golfista Thomaz Albornoz Neves, de Santana do Livramento



Thomaz Albornoz Neves: poeta – e golfista – da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul

(Escrito e publicado no Facebook do autor logo após o vice-campeonato de Herik em Brasília).

É fácil de ver ainda no seu movimento atual os vestígios da criança sem força suficiente para fazer um arco completo com o taco de adulto. Apesar de franzino e de não medir mais que 1,65 cm de estatura, possui uma transferência de peso no contato capaz de bater 300 jardas sem perder a corda do voo. Ataca a bandeira com fades seguros de longa distância. Seu ferro 4 é tão preciso quanto o seu ferro 8. Pateia de média distância sempre a embocar e, por manter a corrida da bola na mesma velocidade até o buraco, raramente perde a caída ou erra curto. Tem o tipo de destreza que se distribui proporcionalmente por todos os fundamentos. De uma naturalidade não entorpecida pelo driving range. Para dizer a verdade, nunca o vi bater bola por mais de meia hora e nunca com outro ferro além do seu wedge (afinal, é ele quem junta as bolinhas).

Nesse sentido Herik Machado é um jogador pré-Hogan, pratica jogando. Mas estas características são medíocres se comparadas à qualidade que o separa dos outros, aquele precioso e frágil detalhe que o torna realmente competitivo. Sua mente. Desde pequeno sempre agiu do mesmo modo. Escutava as conversas na saída dos tees até a terceira frase, então parava, fazia um swing no ar, atrasava o passo e voltava inteiro ao seu jogo. O que faz do adolescente, deste em particular, um dos golfistas mais incisivos em um fairway é a sua alienação. Não ter especial consciência da importância do que disputa, nem da história daqueles que enfrenta mundo afora reduz o jogo ao swing e o protege das tensões da cancha. Garrincha chamando os zagueiros na Europa de João.

Ano passado, sua temporada de estreia, vencera o primeiro Aberto e pontuara em todos os torneios para terminar entre os melhores do ranking gaúcho. De quebra, sagrou-se campeão juvenil uruguaio no Club de Golf, em Punta Carretas. Em janeiro de 2014, na “Copa de Oro” de Punta del Este, alternou-se na liderança. Fez tanta sombra que, numa típica manobra caseira de domingo, sumiram todos os caddies para a sua bolsa no clube. A paleteada forçada lhe custou uma exaustiva volta final de 42 tacadas e o torneio.

Há dias, em Pelotas, bateu -5 para ganhar com ampla margem sobre o resto e o vice-campeonato em Brasília levou-o ao quinto lugar no ranking brasileiro adulto. Camelo, Nico ou Rafael Barcellos – não sei bem qual dos irmãos ou se ambos – cotizaram-se para leva-lo ao Country e treinar para o profissionalismo. Saber se aguenta a pressão em um nível mais alto, diz o Camelo.

O resultado de Brasília, além do interesse dos profissionais brasileiros, despertou a mídia e o já notório Galo Cinza do Facebook caiu nas graças do editor da “Golfe & Turismo” que divulgou em seu “Portal Brasileiro do Golfe” uma reportagem sobre a sua bolsa desdentada, sem a madeira 3 quebrada contra uma árvore em Gramado e o ferro 6 perdido no banhado por seu irmão caçula numa segunda-feira de caddies aqui na cancha. Bolsa com 12 tacos desparceirados.

Fulano de tal escreveu no seu mural prometendo levar um drive novo da Ping para o próximo Aberto, em Bagé, sicrano de longe intimou a Federação por maior apoio ao talento, vários sócios do seu clube, arrogaram on line a paternidade do prodígio. Ontem, foi levado por um ex-presidente do Campestre ao programa de rádio de maior audiência da fronteira e é quase certo que VH tenha vencido a disputa interna pelos méritos da descoberta do menino. Mas para mim ele é só o Herik, irmão do Tales, que engatinhava entre meus tacos enquanto eu batia bola atrás do tee do 2 e que morreu de meningite aos 14 anos com o tamanho de uma criança de 8. No rádio, Herik disse que eu o ajudava no aspecto mental do jogo e que quando me ganhava sabia que estava bem da cabeça.

– Afinal, se eu não falo em ti tu te queixa [sic], ele diz enquanto baixamos ao green do 1.
– Eu me queixo quando tu lambe bola da Federação e não falas nada da escolinha do clube de onde saíste.
– Viu como tu reclama […].
– E me diz outra coisa. Quantas vezes mesmo tu me ganhaste pra ir no rádio dizer que a tua cabeça está boa?
– Um monte.
– Um monte de três vezes.
– I, ó cara aí ó,  da onde? Vai dizer que eu só te ganhei isso?
– Na tua puta vida sim, o montão de três vezes. E uma delas foi aquela que valia as 16 prove que tu me devias e que eu fui embora no 7 por que não me deste um putt de dois palmos.
-Então hoje eu vou te engolir, vou estraçalhá. E não tem bola dada.

E assim vamos relinchando um com o outro pelos fairways do Campestre, ele contando de Brasília, de como, para a minha surpresa, o Camelo não aumentou o seu backswing nem desmontou sua mão direita acavalada no grip, só fez com que ele iniciasse a volta com o joelho esquerdo antes das mãos chegarem no topo.
– Torque, Herik, torque.
– Sim, mas não dá pra mudar jogando. Tem o sul-brasileiro.

Nessa altura ele já tinha embocado um putt de 7 jardas no 1 para birdie, seco no meio, draivado entre duas pontas de pinheiro no 2 para atalhar o dogleg e queimado o fio do buraco para eagle no approach do 3. Quer dizer, levava duas de vantagem sobre o meu par da cancha.

Negro, caduco, acoa para a sombra da samambaia na parede, agora enquanto digito isto, e me faz pensar que só estou escrevendo por causa da enorme energia residual deixada pelas tacadas que a companhia desse menino me levou a dar durante os jogos de ontem e a tarde de hoje.

Quem diz que o golfe é solitário ignora como a parceria arrasta o swing do jogador. Para cima ou para baixo. Senão, como explicar a sombra da fraqueza passando pelo meu joelho esquerdo durante o segundo tiro no 5 que me levou quase a um shank depois do Herik bater seu segundo tiro das 200 jardas no pino. No pino! cuspindo “p” como ele gosta de fazer. E aqui não importa quanta experiência um golfista veterano como eu possa ter. Enquanto estivermos jogando pela flauta, ou pela bolinha, nem ele nem eu temos idade. Se se leva a sério a partida – e eu a levo porque é raro ter hoje a oportunidade de um duelo com essa exigência – deve-se manter o nível do jogo para evitar que o Galo Cinza se desinteresse.

E foi depois desse quase shank que deixou a bola a 40 jardas do green do 5 ontem, o início de uma das mais longas séries de acertos de que tenho memória nos últimos tempos aqui no nosso campo de golfe. Mais que entrar no fluxo ou ser levado pela onda, o que ocorreu foi a elevação do padrão de jogo muito por acima do habitual. Salvar o par com uma bola mordida das 40 jardas que escorregou no primeiro quique e cravou no seguinte a dois dedos do buraco, sem rolar. Bater o fade seguinte ao par 3 do 6 a meia jarda da bandeira. Draivar reto 330 jardas no 7, colocar o draive com um draw desenhado por cima dos eucaliptos no 8 e embocar o terceiro birdie consecutivo. Esses mesmos três birdies no 6, 7 e 8 foram repetidos na tarde de hoje e fizeram com que o Herik perdesse as bandeiras por excesso. Acertava as linhas e o fundo dos greens. A gana deve ser sossegada, eu lhe dizia depois do jogo. Não adianta ficar mordido só porque eu te digo que quando voltares ao rádio vais ter que dizer quem é teu tata. Ele dá de ombro e sorri de volta, com o jeito de quem sabe que as nossas tardes já fazem parte do seu passado, lá embaixo. E, contente, me olha de cima.

  • Onde Jogar

    Como chegar. Dicas de hospedagem e alimentação. Preços e serviços

  • Turismo

    Aproveite o acordo entre a Pousada Travel Inn Trancoso e o Terravista Golf Course

  • Golfe 2016

    Paris 2024: Corrida olímpica começa com o brasileiro Rafa Becker entre os Top 50


  • Newsletter

    Golfe.esp.br - O Portal Brasileiro do Golfe

    © Copyright 2009 - 2014 Golfe.esp.br. Todos os direitos reservados